Possibilidades
Sidnei Alves da Rocha
Sidnei Alves da Rocha
Quisera eu ter o dom dos grandes escritores para produzir belas histórias.
Poderia transformar os fatos mais banais em aventuras e desventuras fabulosas.
Transformaria qualquer pessoa em grande celebridade e tornaria importante o mais comum dos seres humanos utilizando o poder incontestável da palavra.
Olharia pelas ruas a procura de personagens autênticos e brilhantes pois, por trás de cada rosto anônimo na multidão, existem histórias belas ou tristes que merecem ser contadas.
Se tivesse este dom, contaria a história de um mendigo de olhar profundo e triste que passa seus dias vagando pelas ruas desde o dia em que sua casa, onde morava com sua filhinha, pegou fogo.
Narraria o fato dizendo que ele estava no trabalho e que, quando chegou, a sua casa já ardia em chamas. Desesperado, quis entrar, mas disseram-lhe que sua filha já tinha sido levada pelo Conselho Tutelar para a Casa de Apoio. Nove anos tinha a sua menininha.
Diria que esta foi a sua segunda grande dor. A primeira e insuperável foi quando sua adorada esposa faleceu. A filha contava dois anos de idade na época. Desde então cuidava sozinho dela, sempre na mesma casa, sendo um pai zeloso e presente, sem jamais lamentar sua vida ou verter uma lágrima sequer pelas desgraças sofridas.
Diria ainda que, junto com esta sua segunda grande perda veio, de mãos dadas com ela, a terceira perda considerável de sua vida. O emprego de tantos anos lhe fora arrancado sem mais nem menos. Alegaram contenção de despesas, mas em seu lugar já estava trabalhando um vigoroso jovem e, por isso, passou em um bar e, pela primeira vez na vida encheu a cara de cachaça para afogar as mágoas acumuladas ao longo daqueles anos todos. Chegando a casa mais tarde que de costume encontrou a cena lamentável. Culpou-se. Chorou. Secou as lágrimas e foi em busca da filha. Chegando bêbado à Casa de Apoio, disseram-lhe que ele não podia ficar com a filha, que era alcoólatra e irresponsável. Então o homem contou a sua história e isto piorou a situação: bêbado, sozinho, sem casa e desempregado.
– Não dá – disseram-lhe – sua filha irá para a adoção.
O homem chorou mais uma vez e ganhou as ruas.
Afirmaria que o mendigo ficou nelas por longos 15 anos sem saber notícias de sua filha. Nunca mais bebeu, nem sorriu, nem chorou. O que ainda o mantinha vivo era a esperança de um dia encontrar sua filha, mas às vezes achava difícil, ou quase impossível numa cidade tão grande e com tanta gente indo e vindo.
Anunciaria que numa tarde parou uma Van em uma esquina e desceu dela uma bela moça que oferecia sopa para os moradores de rua e olhava atentamente para cada um deles. A moça o olhou de longe e sorriu. Depois de longos anos, teve vontade de sorrir também e correspondeu ao sorriso da moça. Ela foi se aproximando, se aproximando...
Concluiria dizendo que, ao se olharem nos olhos os dois choravam e riam ao mesmo tempo e se abraçaram longamente. Enfim, pai e filha tinham se reencontrado. Ela vivera até os 20 anos num abrigo e de lá só saiu para trabalhar. Conheceu um bom moço em seu trabalho e se casaram. Com a ajuda de amigos e da empresa, começou a distribuir sopas no intuito de localizar o pai. Mesmo encontrando-o, nunca mais parou de ajudar os mendigos. Ela levou o pai para casa e passaram a compartilhar muitas alegrias e tristeza, mas enfim, felizes por estarem novamente juntos.
Mas meu tempo se esgotou. Volto para o meu escritório e vou fazer as minhas escritas corriqueiras. Vou produzir o meu ofício, com seu fechamento manjado, redundante e antigo, transcrever minha carta comercial e digitar meu requerimento, tudo copiado, à exceção de algumas palavras que troco para não ser tão repetitivo.
E inevitavelmente caio na real.
Sem mais para o momento...
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