Minha primeira vez
Sidnei Alves da Rocha
Sidnei Alves da Rocha
Meu cachorro é muito, muito inteligente.
Certa vez ele me pediu papel e caneta e disse-me que precisava escrever as suas impressões, as suas memórias, os seus sentimentos...
Não queria falar com medo de se esquecer de coisas importantes. Salientou que o melhor mesmo era escrever. Teria tempo para refletir e diria tudo aquilo que desejava dizer.
Uma semana depois encontramos, sem querer, no meio de seus pertences um texto que reproduzimos e agora publicamos para que todos conheçam sua sagacidade.
Ei-lo:
“Meu nome é Jack.
Sou da raça poodle.
Fui trazido para esta casa há oito anos, quando fui adotado por este casal maravilhoso que me tratou e me trata como um filho.
Lembro-me de que quando cheguei, eu era um montinho de nada, puro pelo.
Minha antiga dona disse para eles que eu iria chorar muito na primeira noite.
Quem ela pensa que é para falar assim? Por acaso ela entende de psicologia canina?
Só para contrariar a megera, não chorei nadinha.
Me acostumaram mal e eu abusei.
Não comia e nem como sozinho (“...a solidão é fera, a solidão devora; é amiga das horas prima-irmã do tempo e faz nossos relógios caminharem lentos...”). Meu papai sempre tem de estar comigo para eu poder comer. Quando eu queria aprontar, fazia greve de fome e ele tinha de me dar ração na boca, uma por uma, senão eu não me alimentava e, para ele me conquistar novamente, demoraaaaava.
Fui mimado. Sou cachorro mimado, e daí?
O dia mais feliz da minha vida foi quando eles trouxeram para mim uma cachorrinha para me desvirginar. Ela também era poodle.
A princípio não gostei muito dela.
Confesso ser um pouco racista. Eu sou todo pretinho, entende? Ela era toda branquinha.
Mas logo me afeiçoei a ela e começamos a conversar.
Ficamos meio constrangidos porque os dois (papai e mamãe) ficaram em cima da gente, acompanhando cada passo que dávamos.
Minha mamãe saiu logo para os seus afazeres e meu papai ficou nos observando, nos cuidando, seguindo todos os nossos passos e ações. Nem me permitiu fazer as preliminares. Ele estava mais ansioso do que eu.
Sou bem instruído e esta atitude de papai me lembrou aqueles pais antigos lá da época dos coronéis que levavam seus filhos adolescentes para a zona a fim de iniciá-los sexualmente.
Estávamos num papo legal e ele ficou ali, na pressão.
Puxa, na pressão eu não funciono!
E ele me botou em cima dela.
Eu, para não contrariá-lo, fiz todos os movimentos. Nunca tinha feito isso, mas já lera a respeito.
Só que ele percebeu que não tinha rolado e me disse uma coisa que me magoou muito:
– Vai, Jack, acerte em qualquer buraco!
Fiquei com a cara no chão.
Logo eu, um gentleman, para os leigos, um tremendo cavalheiro.
Ainda bem que a gata... (Argh, eu detesto gatas) a cachorrinha estava de costas para mim e não a olhei nos olhos nesta hora.
Eu estava bastante constrangido. Não deu. Aí eu brochei.
Ainda bem que ele desistiu e foi fazer outras coisas.
Pedi desculpas a ela e reiniciamos nosso relacionamento.
Cara, foi incrível.
Era virgem, porém não era otário.
Ela era linda, mas eu mal a conhecia.
Não queria ter o meu nome sujo na praça nem ser levado ao Fórum para assumir a paternidade de possíveis filhotes.
Peguei um preservativo de cachorro e foi ali, debaixo da mangueira que aconteceu o amor.
Foi lindo, foi maravilhoso, foi indescritível. Me veio à cabeça uma antiga canção que ouvi no rádio e que traduzia perfeitamente bem aquele momento “...depois da loucura total sua respiração pouco a pouco se acalma e eu te peço perdão, violento demais, quase que te arranhei...”
Deitamo-nos abraçados (eu a abracei por trás) e adormecemos.
Para despistar os dois bocós, até hoje eu não ergo a patinha para fazer xixi.
Eles ainda acreditam que sou virgem.”
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