Brasil na Copa, ou melhor: a Copa no Brasil
Sidnei Alves da Rocha
Leio nos jornais que o Brasil é um forte candidato a sediar a Copa do Mundo de 2014. Apesar das dificuldades e dos investimentos que terão de fazer, 17 cidades elaboram projetos para a modernização dos seus estádios e seus arredores e se candidatam a uma das 12 sedes que receberão várias seleções e incontáveis torcedores dos cinco continentes do mundo.
Elaboram projetos grandiosos que são apresentados com a utilização de mídias e tecnologia de última geração, com imagens de terceira dimensão e tudo o mais, coisas jamais vistas em terras tupiniquins e apresentam para os velhinhos da FIFA, que se deleitam com tanto verde (apesar dos desmatamentos constantes na Floresta Amazônica, na Mata Atlântica, etc.). O mundo fica boquiaberto com esta esplendorosa capacidade de criação, numa clara demonstração de que o país se tornou primeiro mundo, pelo menos no futebol.
Tempos depois chega o grande dia. A escolha está prestes a acontecer. É grande a expectativa. Bolinhas giram no globo e... Deu Brasil!
O orgulho de ser brasileiro vai surgindo em meu rosto. Nossa, para um povo que adora futebol, isso é fantástico. O tempo para a Copa é bastante grande. Até imagino pais de famílias deixando seus filhos passarem necessidades (ora, só faltam cinco anos) para a compra de ingressos e das passagens para verem, ao vivo, as belas jogadas de craques do mundo todo. Isso vale a doença que podem adquirir sem uma alimentação balanceada. Ah, vá lá, serei direto: sem alimentação ou alimentação com quantidade e qualidade extremamente reduzida.
Comemore, povo brasileiro! Como diriam alguns: “é nóis!”
Após este primeiro momento de euforia, chega, enfim, o segundo grande dia no qual são escolhidas as doze cidades sede. Sem nenhuma referência bíblica, a ordem foi dada: “Ide e sereis pescadores de homens!” O sucesso da Copa está justamente nisso: “pescar’ pessoas para comporem as grandes fileiras (também conhecidas por arquibancadas) e ter gente à vontade para gastar nos arredores dos estádios.
O Brasil é mesmo incrível. Tenho até medo de escrever aqui os zilhões de dólares que serão gastos (é melhor falar em dólares que sempre parecem menores os custos). Casas e imóveis terão de ser desapropriados nas redondezas dos estádios a fim de se aumentar a área de estacionamento e aumentar também o próprio estádio, melhorando a infraestrutura com restaurantes, lanchonetes e bares para a FIFA poder aumentar o seu lucro já grandioso.
Tudo isso demonstra o poder do meu país. Somos um povo rico. A maior parte destes gastos sairá do nosso suor, do nosso bolso, dos impostos que pagamos e isso me deixa mais radiante ainda.
Mas, apesar do orgulho, estou numa confusão mental. Cenas passam pela minha mente. Frases perpassam meu subconsciente. Trechos de reportagens e manchetes de jornais passam pelos meus olhos. Não! Isso não deve ser aqui...
“Seu parlapatão!”
Vejo homens de terno e gravata... Parecem marajás... Eles discutem como membros da política bolivariana...
“As suas palavras, eu quero que o senhor as engula...”
Estas imagens e estas frases me deixam tonto.
Que pessoas teriam coragem de dizer isso em frente às câmeras? Com o uso de microfones? Tendo como ouvintes senhores, senhoras, jovens, idosos e crianças?
Parecem políticos que...
“...e as digira da maneira que quiser!”
São políticos.
Mas, de que país distante seriam?
Do meu Brasil, não!
Nós vamos sediar a copa. Somos primeiro mundo. Nossos políticos são civilizados. Nós temos democracia...
“Não aponte este dedo sujo para cima de mim...”
“Seu cangaceiro de quinta categoria...”
Meu Deus! Que confusão mental é essa?
Quero ficar só com o meu orgulho, minha...
“Eu não renuncio...”
Vejo favelas... Crianças reviram o lixo... Famílias passam fome, pedem esmolas no sinal, dormem embaixo de viaduto. Quem sabe estas sejam cenas da copa de 2010. Talvez sejam cenas de algum país africano, paupérrimo, sem infraestrutura e sem democracia.
Chacoalho minha cabeça. Espanto estes maus pensamentos.
Vou retomando meu orgulho aos poucos. Uhu! A copa do mundo é nossa!