A arte da tongagem
Sidnei Alves da Rocha
Explicações desnecessárias 1:
Tongo: 1. aquele que pratica tongagem; 2. Refere-se sempre a um sujeito (oculto ou não, mas geralmente hiper-explícito – um tongo se vê de longe); 3. sujeito que é ou está em estado de besta. Como diria o soletrando (didático e narigudo) “exemplos em frases” – “Eu sou tongo” (estado permanente – a tonguice já ultrapassou todos os estágios do id e do ota). “Eu estou tongo” (estado transitório de tonguice, com sintomas leves e passageiros) – Dicionário Epistongológico Brasileiro.
Tudo começou naquela manhã fatídica de segunda (poderia ser pior, poderia ser uma manhã de quinta). A atmosfera estava pesada. O sol estava escaldante e o calor batia picos de quase 40 graus centígrados.
O Hiato chegou em seu estado imponente de “não me toques, não me reles” e sentenciou para os três naquela sala:
“Quero que vocês me produzam um Folder C para o Convento que se realizará na semana que vem.”
Entregou-lhes um bilhete com local, data e assuntos a serem tratados nos sete dias de evento. Quer dizer, seis, pois o sétimo dia seria dedicado ao senhor Hiato e sua trupe.
Explicações desnecessárias 2:
Convento: Encontro realizado para discussão de ideias e pensamentos filosóficos, metodológicos e práticos (ou não!) a fim de se chegar a um consenso ou pelo menos afinar o discurso em torno de propostas pedagógicas (ou não!) com o intuito de melhorar (ou não!) aquilo que já está pior (ou não!).
Folder C: panfleto explicativo e sucinto que contém todas as informações básicas a respeito de determinado evento cujo conteúdo deve ser seguido à risca, com exceção dos horários, especialmente o de abertura. Vem logo após o Folder A (elaborado por todos) e logo após o Folder B (elaborado por alguns do grupo de organização). Geralmente o Folder C é elaborado por uma minoria e, assim sendo, ele é bastante piorado e não segue as decisões da maioria – Dicionário Epistongológico Brasileiro.
Nosso três anti-heróis, Tongo, Ditongo e Tritongo, entreolharam-se assustados diante de tamanha responsabilidade e começaram a correr de um lado para outro, do outro para um – atitude própria de quem é dotado de tonguice – batendo cabeça na busca de ideias a respeito do que fazer e de como fazer, já que o tempo que deram a eles era curto.
Buscaram programa de computador aqui, organizaram material ali, baixaram imagens acolá.
Ligaram para um, ligaram para outro, definiram horários e palestrantes para o Convento, tudo em conjunto com a equipe, no caso, os mais sapientes, trocando em miúdos, os menos tongos.
O desespero tomou conta dos três. O tempo estava passando e quando finalmente, depois de muito leva e traz, de muito blábláblá e nhénhénhé, o Folder C ficou pronto.
O sorriso inundou as faces daqueles três seres em êxtase. A tonguice fora finalmente vencida e ninguém tiraria deles aquela vitória.
No momento da impressão dos Folders C, a tinta da impressora acabou. Avisaram os Adjetivos Absolutos Analíticos e Sintéticos da ocorrência de tal fato e começaram a providenciar o carregamento de tinta no tonner.
Mas de repente, sem mais nem menos, sem motivo ou explicação aparente, o Sujeito Composto penetrou no recinto já dizendo que tinha recebido ordens expressas do Verbo Imperativo para levar, em CD, o Folder C elaborado pelos três tongos e completou dizendo que ele seria impresso no Plaft! Plaft! Plaft!
Boquiabertos e sem reação, pelo menos reação racional, Tongo, Ditongo e Tritongo entregaram ao Sujeito Composto o material solicitado.
Neste momento a Metáfora e o Paradoxo tentaram ajudar, mas estes eram considerados pela elite pensante... ou melhor, mandante, mega-tongos e ultra-tongos (não necessariamente nesta mesma ordem) e nada puderam fazer a respeito.
Mudaram o Folder C do jeito que quiseram, sem respeitar as decisões tomadas em conjunto (aquelas malditas mudanças feitas à revelia em gabinete só pela “nata”).
Explicações desnecessárias 3:
Nata: 1. Subproduto do leite, sendo considerada sua parte mais gorda e extremante prejudicial à saúde; 2. figurado: diz-se daquele que está por cima, que se acha intocável e insubstituível; 3. pessoa que tem o poder subido à cabeça, que acha não precisar de ninguém; 4. pessoa que se basta – Dicionário Epistongológico Brasileiro.
Foram todos para casa e, ao dormir, Tongo sonhou que estava em estado interessante, tá, vá lá, pegou bucho e pariu um lindo Tonguinho.
Acordou em pânico e banhado em suor.
Não podia continuar assim.
Tinha de ter fim.
Tinha de acabar com aquela sina.
Tinha de cessar aquele circulo vicioso, aquela Vida Tonga, aquela Vida Maria...
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