segunda-feira, 16 de março de 2009

O virgem

O virgem
(Drama em três quadros ou três pronomes)
Sidnei Alves da Rocha
Advertência: Esta história contém alto teor erótico, não sendo recomendada a sua leitura a todas as idades; portanto, caberá aos pais e/ou responsáveis a decisão de divulgá-la a suas crianças e adolescentes. Aprecie com moderação!
Quadro I
Eu

Uma conversa ao telefone pode suscitar muitos mal-entendidos e conclusões precipitadas. Se formos penetras na conversa, então, nem se fala, já que ouvimos somente uma parte do diálogo caso o telefone não esteja no viva-voz.
Pois bem. Minha esposa estava ao telefone com a minha cunhada ou a irmã dela, como preferir, numa conversa aparentemente normal. Falavam sobre acasalamento de cachorros. Pelo que pude entender da fala da minha esposa, minha cunhada estava lhe dizendo que a cachorrinha dela estava no cio. Até aí, tudo bem, cachorros costumam ficar no cio de vez em quando.
O meu drama pessoal começou quando minha esposa disse:
– Pode trazer a Serena (o nome da cachorrinha da minha cunhada) sim que o Sidnei (este, no caso, sou eu) vai ficar em casa a semana inteira.
Interrompi a leitura do livro e olhei para a minha esposa com uma dúvida cruel a me afligir. Acaso quererá a minha amada que eu cruze com a cachorrinha? Espantei-me. Nunca fizera algo semelhante (acredito que, na história deste país, nenhum marido o tenha feito) e temi pela minha dignidade moral. Não havia escapatória possível, afinal, que marido em sã consciência irá contestar ou desobedecer a esposa? Cruz credo!
A conversa prosseguiu e minha esposa disse a ela que, do cruzamento, iria sair cada cachorrinho tão bonitinho.
Olhei-me no espelho e me lembrei da cara e do perfil da cachorrinha, fiz uma careta e pensei “não vai não!” Não ia dar certo, não tinha chance de dar certo. Eu sou alto e magro e ela, uma basset, comprida e baixa.
Comecei a entrar em desespero. Como iria sair daquela enrascada?
Será que teria de pagar pensão alimentícia? Veterinário? Plano de saúde?
– Isso não pode ser verdade! Isso não está acontecendo... – pensei.
Pode trazer a Serena que o Sidnei cuida sim.
Pensei em interromper a conversa. Aquilo já estava passando dos limites, já estava se tornando constrangedor para mim. De quem eu teria de cuidar? Só dela? Dela e dos filhotes? Só dos filhotes?
– O Jack vai adorar ter uma companheira. Quem sabe assim ele perde a virgindade – disse minha esposa.
Ah, está explicado! Não é para mim, é para o Jack. Tinha até me esquecido do nosso cachorrinho.
– Até mais e obrigada! – minha esposa concluiu a ligação.
Eu estava aliviado.
Quadro II
Ele

Sou um cachorro poodle, de natural tímido e não sou dado a convenções sociais, grandes baladas ou relacionamentos ocasionais.
Talvez estes fatores tenham me mantido virgem até hoje e isso é muito tempo para os padrões caninos, que iniciam a vida sexual muito cedo, já que eu tenho oito anos.
Mas nem por isso posso me queixar. Vivo feliz em minha casa. Tenho o carinho dos meus donos (papai e mamãe como costumo dizer) e gozo aqui de bastantes mordomias e privilégios.
Porém, meu sexto sentido, naquela manhã, estava me dizendo que os dias de virgindade estavam contados e que em breve eu iria perdê-la (ou não). Dito e feito.
Lembro-me bem da sua chegada. No início da tarde de um dia qualquer parou um carro no portão de casa. Um homem desceu (eu o conhecia), abriu a porta do lado do passageiro e arrastou para fora uma cachorrinha. O portão não me deixava enxergá-la direito e uma fina chuva estava começando.
Meu dono foi até o portão, conversou alguma coisa com o homem, pegou na cordinha que amarrava a cachorrinha e a trouxe para dentro.
Minha língua fremia.
Ela foi solta e eu cheguei mais perto para vê-la melhor.
Nossa, ela era linda, do jeitinho que eu gosto. Pêlos curtos e avermelhados. Muito simpática em toda a sua extensão.
Sabe, pêlos curtos me excitam.
Acho que foi amor à primeira vista. Fiquei encantado por ela. Era só nos conhecermos melhor e iniciarmos um relacionamento amoroso.
– Espero que ela não seja fácil – pensei – que não queira... que não queira... (ah, você sabe!) já de cara. O diálogo para mim é fundamental.
Ai, ela tá fazendo xixi e olhando para mim. Mau sinal. Está dando a entender que está disponível.
Vixe! Me deu uma vontade de fazer xixi também. Que vergonha! Vou ter de fazer. Não queria deixar transparecer que sou virgem. Pensei entre dentes e com as perninhas cruzadas e bem apertadas. Nossa, não vai dar pra segurar. Se não fizer agora, vou fazer nos pêlos. Vou ter de me agachar. Como se levanta a patinha mesmo? Droga, isso só quando eu não for mais virgem. Que coisa mais sem graça. Não dá nem para fingir.
Pronto. O caldo já tinha entornado. Bola pra frente e...
Ela começou a se esfregar em mim!
Ela é fácil. Assim fica difícil. Será que todas são afoitas desse jeito? Nenhuma vai querer conversar primeiro? Puxa, tenho sérios problemas com estas investidas assim, tão efusivas. Elas não combinam com o meu jeito reservado.
Vamos ver no que dá. Vou cheirá-la para ver se está no cio. Hum... parece que está.
Ai meu nariz! Cuidado com o rabo! Ai! Ui!... Cinco rabadas na ponta do nariz e quatro no olho, em sequência, ninguém merece.
Espera aí! O que vou fazer com o rabo dela na hora H? tenho de achar um jeito de pô-lo de lado.
Gente, que horror! Ela está bebendo água empoçada da chuva! Que nojo!
Lá vem ela de novo. Como estava mesmo no manual? Ah, sim! Subir nela e ficar bombando até encaixar.
Opa, minha patinha esquerda ficou na frente. Foi mal. Vamos de novo.
Vai! Vai!
Essa cachorra é muito despoodlerada!
Lembra do manual, da parte que fala da investida e manda brasa.
Agora...
Xi, ela saiu de baixo.
Credo, não consigo controlar meu quadril. Mesmo sem ela embaixo de mim ele fica nesse vai-e-vem frenético. Tô parecendo dançarino do créu na velocidade cinco.
Tenta de novo...
De novo...
De novo...
...
Caramba, cansei!
Acho que vou deixar para amanhã. Depois de tantas tentativas, acho que não vou mais funcionar.
Preciso me deitar.
Estou com sono.
Boa noite!
...
Nossa, oito dias tentando não é fácil.
Quando ela for embora vou ter de treinar. Eu funciono, sabe? Meu problema só é pontaria.
Ouvi dizer que irão levá-la hoje. Vou insistir mais um pouquinho.
Ela está deitada na sua cadeirinha. Vou mostrar que estou a fim. Vou latir para ela se levantar.
Os latidos não estão funcionando. Vou latir mais forte. Vou vencer pelo cansaço.
Oba! Levantou-se!
Agora, vai...
Xi, não deu de novo.
Pronto, voltou a se deitar.
Latidos...
Vai.
Na trave!
Pare de se deitar!
Latidos...
U-hu!
Não é possível!
Ei, colabore, né? Fique em pé!
Puxa, chegaram.
Estão levando-a embora. Que abusados, logo agora que eu ia conseguir...
Quadro III
Ela

Sou uma cachorrinha basset, bem avançadinha e no que se refere a amor, relacionamentos, essas coisas, sou do tipo que se adapta às necessidades do meu par.
Se percebo que ele quer alguém tímida, eu sou tímida. Se percebo que ele quer alguém que parta para cima, ai sou bem afoita, mesmo sabendo que as mais saidinhas assustam os machos que se acham e querem sempre ser eles a “chegar” nas fêmeas. Muitos odeiam quando ocorre o contrário disto.
Sou bastante jovem ainda, mas já tenho experiência. Já engravidei e tive uma porção de filhotes.
Agora estou no cio novamente. Espero encontrar alguém que me preencha e que possa curtir comigo este momento tão especial.
Vivo feliz aqui. Gosto de me esfregar nos pés e pernas dos meus donos, botar minha cabecinha nos pés deles e receber carinho, mas estes estão meio escassos.
Lá vem o meu dono. Está chegando perto de mim. Ei, pare! O que está pondo em meu pescoço? Pare, vai me enforcar...
Não, calma, é só uma coleira com uma cordinha.
Oba! Vão me levar para passear! Espero que seja bem legal!
Que chique, bem! O passeio é de carro! Isso não é para qualquer cachorro.
Meus olhos não alcançam as janelas. Não consigo enxergar nada daqui de baixo. Pra onde estou indo? Pronto, já parou.
Estão me tirando do carro. Acho que é por aqui que eu fico.
Que casa é essa?
Vão me deixar aqui só, será? Não quero ficar sozinha neste lugar estranho. Não me puxe, não quero ir, não quero! Pronto, já me arrastou.
Ah, eu conheço aquele casal que está na varanda. O homem está se aproximando. Que chato, começou a chover. Eu prefiro sol. É mais caliente.
Ele pegou minha cordinha e está me levando para dentro. Vou ser simpática, abanar o rabinho e lamber os seus pés.
Será que meu dono não vai entrar? Ai, parece que não. Só faltava essa, já foi embora. O jeito é me conformar.
Estão me soltando. Acho que vão me tratar bem. Este casal é bem legal.
Nossa, que cachorro lindo. Agora que o vi.
Linguinha rosada, pêlos negros e longos, do jeitinho que eu gosto. Isso me excita de um jeito!
Está chegando mais perto. O que eu faço? Vou mostrar que estou no cio. Vou fazer xixi e deixá-lo me cheirar.
Será que não vou parecer muito fácil? Não seria melhor fazer jogo duro e deixá-lo correr atrás de mim como um cãozinho sem dono?
Ele também foi fazer xixi. Ai, é virgem. Não ergueu nem a patinha.
Acho que dar uma de fácil foi a melhor estratégia.
Ele está vindo. Me cheira, vai. Vou abanar o rabo para demonstrar simpatia.
Xi, desculpe, foi mal. Acho que acertei o focinho dele. Aí, de novo... Tadinho.
Nas primeiras investidas vou sair de baixo dele só para não dar muita bandeira. Depois eu deixo numa boa.
Que engraçado, o quadril dele parece de mola!
Isso, assim. Só tira a patinha da frente.
Ele não está conseguindo.
Vou ter de ajudar.
Puxa, estou me encostando o que posso em você. Que mais quer que eu faça?
Vai, agora.
Você pode. Já vai conseguir.
Isso!
Hum...
Vamos, lá.
De novo.
U-hu!
É, não deu de novo.
Ué, aonde ele vai?
Assim não dá, desistiu.
E como eu fico nessa?
...
Depois de oito dias minhas costelas estão me matando. Não há esqueleto que aguente um mala desses subindo e descendo dia e noite.
Vou é descansar na minha cadeirinha que eu ganho mais, já que não tá rolando mesmo.
Que cara chato. Sabe que não está conseguindo e fica latindo na minha cara.
Vá lá, sujeito. Vou me levantar, mas nem vou descer da cadeira. Só vou me virar.
Eu sabia. Não deu certo.
Acho que já chega. Preciso dormir. Mas como? Com estes latidos é impossível. Vou me posicionar novamente e fazer suas vontades. Ouvi dizer que vou embora hoje mesmo.
Vai.
Agora.
Ta quase lá (às vezes um incentivo ajuda).
Meu dono chegou. Será que vai me levar embora?
É, já está me levando.
...
Apesar de tudo, acho que vou sentir saudades dele. Acho que me apaixonei!

Eterno Aprendiz

Eterno Aprendiz
Sidnei Alves da Rocha
“...Viver
e não ter a vergonha de ser feliz
Cantar e cantar e cantar
a beleza de ser um eterno aprendiz.
Eu sei
que a vida devia ser bem melhor
e será
mas isso não impede que eu repita
É bonita, é bonita e é bonita....”
(Gonzaguinha)
Somos sabedores que os professores, aliás, qualquer profissional, devem estar em constante atualização para aprimorar seus conhecimentos e trocar experiências com outros colegas. Pensando nisso, foi promovido o 1º seminário de aprimoramento para professores de Língua Portuguesa e Matemática em Mato Grosso, denominado “Eterno aprendiz”.
Eu e mais duas colegas de Letras nos inscrevemos para mais esta aventura da língua que se realizou em Sinop, distante 160 km de Terra Nova.
Tínhamos três opções de largada. A primeira seria matar o início do curso e sair bem mais tarde. Essa foi descartada logo de cara, pois um samurai da língua não se entrega assim, tão facilmente. A segunda era sair no dia anterior à abertura do curso, dormir bem à noite e iniciá-lo bem descansados. Também descartada. Seria fácil demais. Já a terceira, mais radical, louca e própria de heróis, nacionais, claro, foi a eleita pelo trio: sair no dia do curso, no ônibus das três e trinta da madrugada para pegar o início do curso às 7 horas.
À noite comecei a pensar na viagem da madrugada e só consegui me deitar às 23h 30 e o despertador foi programado para me acordar às 2h 30.
Para a minha esposa e para mim, sem problema, mas meu cachorrinho poodle estranhou muito, pois desta vez foi tudo diferente. Ele, que está acostumado a me acordar para o levar ao banheiro, feito que realiza dando uma volta em torno da cama e choramingando ao meu lado e, caso eu não acorde com seu lamento canino, ele arranha a madeira da cama até me despertar, foi despertado por mim antes da sua hora de costume.
Mesmo estranhando, meu cachorro não disse palavra.
Saí de casa às 3h15. Encontrei-me com minhas colegas linguarudas na rodoviária e ficamos por lá, de bobeira (e quem não fica bobo com sono?) até o ônibus chegar e este, para variar, chegou atrasado e só conseguimos embarcar às 4h.
Minhas colegas entraram e exigiram suas poltronas que estavam em posse de outros passageiros, coitados, bruscamente acordados pelo estresse de quem madrugou.
Embora houvesse um senhor sentado, ou melhor, esparramado em minha poltrona que era a da janela, resolvi não o incomodar e sentei-me na poltrona do lado. Olhei-o melhor e percebi que ele era bastante gordo, não possuía um odor muito agradável e, para completar, começou a roncar como um porco.
Aguardei um instante e me mudei para uma poltrona mais à frente.
Depois de acomodado e menos incomodado, comecei a refletir e cheguei à conclusão de que o homem é um eterno aprendiz, que ele aprende até nas adversidades. Já pensou se eu tivesse exigido os meus direitos e pedido ao homem que desocupasse a “minha poltrona”? Teria ficado preso àquele canto e nunca mais sairia dali.
Ocorreu-me então uma vã filosofia que diz que nada é tão ruim que não possa piorar. Não piorou.
Ah, o curso? Bom, isto fica para outra oportunidade, pois ele dá outra ou muitas histórias.
Quanto ao retorno, não quero tecer previsões. Prefiro confiar no ditado popular que diz que “um raio não cai duas vezes no mesmo lugar.”

Estranho no ninho

Estranho no ninho
Sidnei Alves da Rocha
“Ver eu não vi.
Eu ouvi falar.
O que eu faço é contar.”
Extraído de um programa do Canal Futura
O copo chegou e foi posto no armário.
Causou estranheza.
Foi ficando, foi ficando, até que se quebrou na pia, transformando-se em incontáveis pedacinhos.
Houve profunda tristeza entre as xícaras.