terça-feira, 23 de setembro de 2008

Tecnologicamente falando...

Tecnologicamente falando...
Sidnei Alves da Rocha

Ah, a tecnologia...
Como viver sem ela?
Foi ela quem proporcionou a evolução do rádio, da televisão, da Internet... É através destes meios de comunicação que nós, reles mortais, temos acesso a ideias ultramodernas e revolucionárias de filósofos fabulosos como uma Tati Quebra Barraco, um MC Serginho... É por meio deles que esses pensadores poderosos, atuais e de grandes conhecimentos culturais, científicos, sociais e, principalmente, sexuais nos trazem créus, cachorras, cerol, tapinhas, eguinhas, cavalinhos e pocotós.
Nossa! Isso tudo me deu uma saudade dos meus tempos de menino lá no interior do Mato Grosso do Sul. Tempos difíceis aqueles...
Naquela época nossa casa não tinha energia elétrica, mas o sistema de iluminação da residência era dotado de alta tecnologia. O utensílio utilizado tinha o nome de lamparina. Dentro dela havia um tecido longo que percorria todo o seu corpo e sua ponta ficava fora dela, numa espécie de bico.
Seu mecanismo de funcionamento era superinteressante. O que o acionava era um sistema operacional chamado “fósforo” que, quando friccionado e encostado no bico da lamparina, liberava uma substância que atendia pelo nome de “querosene”, que, imediatamente escalava o tecido por toda a sua extensão e, em contato com o fósforo, como num passe de mágica, acendia-se.
Esse sistema era bem prático, portátil e pequeno. Podíamos levá-lo aonde quiséssemos.
Também tínhamos um grande rádio de pilha que nos trazia notícias do mundo, músicas e novelas (quanta imaginação, quantos cavalos, tiros, correntes, mocinhos e bandidos). À noite nós o ligávamos e nos sentávamos em cadeiras de corda no terreiro. Ouvíamos os programas e olhávamos o céu. Observávamos as estrelas e, de repente alguém dizia “olha o apareio!”. Traduzindo do caipirês: aparelho – traduzindo mais ainda: avião a jato. Como nossa imaginação voava. Mal sabia eu que aquele “aparelho” fora inventado por Santo Dumont, um brasileiro lá de Minas, sô. Vixe, bateu uma nostalgia maior do que a que estava sentindo... Essa atmosfera rural, essa pasmaceira, essa calma... Lembrei-me de Drummond, daquele poema que retrata bem a minha infância, Cidadezinha qualquer:

"Casas entre bananeiras
mulheres entre laranjeiras
pomar amor cantar
Um homem vai devagar.
Um cachorro vai devagar.
Um burro vai devagar.
Devagar... as janelas olham.
Eta vida besta, meu Deus.”

Nós, como Santos Dumont, voávamos e imaginávamos tantas coisas, tantos mistérios naquelas noites estreladas.
Mas outra tecnologia entrou igual a um foguete em nossas vidas anos mais tarde; a televisão.
Ainda não tínhamos energia, porém nosso vizinho de sítio comprou uma TV preto e branco, fabulosa, de umas 8 polegadas e, para ela funcionar, usava uma bateria. Uau! Tecnologia de ponta!
Nós, para não perdermos mais esta novidade, plugados em alta tecnologia como éramos (praticamente uns “nativos digitais”), fomos ver de perto a novidade e apreciar a sua programação.
Éramos sete neste grupo: este corajoso que vos fala, minha mãe, minhas três irmãs, meu irmão e sua esposa.
Só que, para chegar até ela, tínhamos de andar cerca de dois quilômetros atravessando terras cultiváveis e pastagens. Entremeio nossa casa e a casa da televisão havia um rancho que diziam ser mal-assombrado. Segundo o povo, aparecia por ali uma mulher toda de branco. Como passávamos à noite, nossos corações batiam acelerados. Na ida, tudo bem. Passamos ilesos. Mas na volta...
Conseguimos passar pelo rancho, ufa!
No entanto, uns 500 metros à frente, minha irmã mais velha resolveu olhar para trás e ao lado do rancho, vislumbrou um vulto que vinha nos seguindo. Estando com passadas normais, minha irmã começou a acelerar

“Café com pão
Café com pão
Café com pão

Virge Maria que foi isso maquinista?

Agora sim
Café com pão
Agora sim
Voa, fumaça
Corre, cerca
Ai seu foguista
Bota fogo
Na fornalha
Que eu preciso
Muita força
Muita força
Muita força
Oô...

Foge, bicho
Foge, povo
Passa ponte
Passa poste
Passa pasto
Passa boi
Passa boiada
Passa galho
Da ingazeira
Debruçada
No riacho
Que vontade
De cantar!
Oô......”
De repente estávamos todos correndo.
Meu irmão, que teoricamente deveria proteger o grupo, estava grudado na mão de sua esposa a uns dois passos a sua frente (se ela o soltasse, nunca mais o veríamos), porém, contrariando a sua falta de coragem, ele dizia “me solta, me solta que eu volto lá”. Palavras ao vento. Se ela realmente o soltasse, era capaz de ele morrer do coração ou pelo menos pedir o divórcio. A mulher também deve proteger o marido.
Minha mãe, tadinha, fora de forma e com uma certa idade, corria como um atleta olímpico.
Minha cunhada também corria muito. Perdeu os chinelos e bem mais precioso: o filho que esperava.
Minhas irmãs estavam bem à frente e eu, para não contrariar o grupo, corria também.
Ao chegarmos à estrada principal, resolvemos parar e encarar o “fantasma” de frente, com exceção de minha irmã mais velha que continuou em enorme disparada.
Ele foi se aproximando, se aproximando... Suas feições pareciam familiares. Quando nos preparávamos para o pior, percebemos que, quem se aproximava era outro dos meus irmãos, coitado, também sem fôlego. Novamente meu irmão casado tomou a palavra e esbravejou “vo-você n-num t-tem vê-ve-vergonha, n-não!?
Os outros estavam sem fala, inclusive o “fantasma”.
Enquanto isso, minha irmã mais velha conseguiu chegar até a nossa casa e, inexplicavelmente, abriu a tramela, por fora. Chamou meu pai e logo logo eles apareceram para nos salvar. Meu pai empunhava um machado.
Nós nunca mais quisemos voltar.
Mas, enfim, a energia elétrica chegou.
Outro irmão meu (ora, não encha! Tenho seis irmãos e três irmãs e posso chamá-los de outro / outra quando quiser – lembrar o nome de todos eles é difícil) que se casou, construiu uma casa perto da nossa, no mesmo sítio, e comprou, de segunda-mão, uma televisão colorida.
Que empolgação!
Quando eles saiam para trabalhar, deixavam as chaves da casa com a minha mãe para ela poder assistir às novelas da tarde. Eu, claro, ia junto.
Aquela TV tinha um pequeno problema: quando a gente ia mudar de canal, às vezes levava um baita choque. Um dia fui ligá-la e o choque estava lá. Fiquei tão traumatizado que tenho formigamentos até hoje. Minha mãe, como São Tomé, só acreditou vendo e meteu a mão no botão. Levou um choque, lógico. Recuou e disse-me carinhosamente, daquele jeito que só as mães conseguem quando querem enaltecer a inteligência do seu filhinho querido “desliga isso, besta! Vambora!
Não desliguei. Peguei um pano e mudei de canal e conseguimos assistir à novela, um dramalhão mexicano intitulado “Os ricos também choram”. Jesus, se as novelas deles que não têm choro no nome já são uma choradeira só, imaginem essa?
Passou-se o tempo e hoje sei que tenho uma relação bem mais tranquila com a tecnologia. Fiz cursos on-line de TICs, tenho blog e tudo o mais.
Sei também que sou um “imigrante digital”, não um “nativo digital” como dissera outrora, mas tenho aprendido e venho aprendendo. Não custa sonhar, como Dumont, na construção de seu 14 Bis.
Espero navegar bastante.
Afogar, jamais!

2 comentários:

Elaine Alves da Rocha disse...

oi Tio, fiquei felia em encontrar o senhor na net... adorei , o blog, ficou 10! Parabéns.....

Anônimo disse...

Ótima crônica, digna dos maiores cronistas de nossa língua... Parabéns, continue escrevendo.