De sol a sol
Sidnei Alves da Rocha
Sidnei Alves da Rocha
Domingo, dia de descanso para o justo que trabalhou duro a semana toda.
Dia de ficar em casa com a família, curtindo um bom livro, uma boa conversa fiada à sombra de uma árvore ou simplesmente ficar deitado sem nada para fazer, ou, no máximo, fazer um churrasquinho e tomar umas cervejinhas.
Mas isto não é para todos, descobri pasmado ao sair em pleno domingo para encomendar uma carne assada (súbito, fui invadido pela preguiça nesse dia). Passando de moto em frente ao antigo NTE, observo dois jovens pintores pintando-lhe a fachada. O sol estava de estalar mamona e eles estavam com caras de poucos amigos por estarem sendo obrigados a trabalhar em pleno domingo. Ocorreu-me de repente aquela frase: “manda quem pode, obedece quem tem juízo”.
No meu trânsito, ouvi a conversa deles (ora, como os ouvi estando pilotando uma moto não interessa. Estou aqui para narrar o fato, não para dar explicações banais). O primeiro falou (parecia ser o pintor):
– Com esse sol me queimando a “mufa”, fico até transtornado.
Ao que o outro, com cara de ajudante, balbuciou:
– Pois é. E dizem que o domingo é reservado ao Senhor. Só se for ao senhor feudal. Para nós, pobres mortais, nada.
O primeiro ainda exclamou, em oração, olhando para o céu e com as mãos postas em sinal de prece, como um anjinho barroco:
“Toca, Senhor, toca o coração do meu patrão!”
Mas seu patrão não era homem de se deixar tocar assim, tão facilmente (deixa estar, ele vai ver só quando chegar aos 40. Dizem que nessa idade tem gente que é “tocada” e que, ao invés de voltar para o “toque” uma vez por ano, como é o recomendado, comparece todo mês e exige ser “atendido”).
O tempo foi passando e a dupla tinha a missão de pintar na fachada “NTM – Núcleo Tecnológico Educacional Municipal” e já haviam escrito “NTM – NÚCLEO” e já se preparavam para escrever “TECNOLÓGICO” quando, ao olharem para a casa vizinha, de onde vinha um cheiro delicioso, observaram um grupo de pessoas beliscando um churrasquinho e bebericando uma cerveja.
Ninguém merece tudo isso. O sol queimando-lhes o crânio, o cheiro de churrasco invadindo suas narinas e a cerveja estupidamente gelada nas mãos daquelas pessoas fizeram com que eles se enlouquecessem. Veio daí o pior do domingo, a “vídeo cacetada”, o “acredite se quiser”, ou simplesmente o “nossa!”
Com tantas coisas boas escritas com c e com qu na cabeça, eles ficaram na dúvida a respeito da escrita correta de “Tecnológico” e tascaram na fachada a palavra escrita com o dígrafo qu que, em letras garrafais, ficou linda “TEQUINOLÓGICO” (pelo menos o acento estava lá).
Observaram, observaram e não gostaram da primeira sílaba “TE”, apagaram-na em seguida. O resto permaneceu como estava e ficou “lindo, bicho!” “NTM – NÚCLEO QUINOLÓGICO”. Em seguida, depois de mais uma boa olhadela, foram para suas casas com a consciência do dever cumprido.
Foi aí que o inferno começou, não para eles, mas para o chefe.
Sem querer eles se vingaram de seu patrão hitleriano que não conseguiu sequer almoçar direito devido aos inúmeros telefonemas dos letrados de plantão alertando-o sobre a pane gramatical do domingo.
PS: Escrevi o texto só na segunda-feira. Ninguém é de ferro. Cronista também descansa aos domingos.