domingo, 15 de agosto de 2010

No começo era o verbo... Já no futuro...


No começo era o verbo... Já no futuro...
Tudo em sua casa era da mais alta tecnologia.
Filho de um grande empresário no ramo de computação e robótica, ele havia herdado toda a fortuna do pai, tornando-se o presidente daquela enorme companhia.
Não poderia ser diferente.
Sempre vivera em meio a robôs quase humanos, computadores e novidades tecnológicas desenvolvidos pela empresa de seu pai.
Era, quando criança, muito desligado do contato com as pessoas. Vivia trancado em seu quarto, que passou a ser o seu mundo, a sua comunidade, a sua família...
Dentro dele se sentia conectado com o mundo, longe, um peixe fora d’água.
As poucas palavras que trocava com sua família era no caminho de casa para a escola, necessidade que fazia por obrigação, ou nas raras conversas com colegas de escola, ambiente para ele chatíssimo, pouco atraente e sem muita tecnologia ou que mantinha contato com tecnologia considerada por ele há muito superada.
Seus pais também eram ligados às novidades tecnológicas e em diversos momentos do dia, seus diálogos se davam pelo MSN ou coisa parecida.
Mesmo adulto, seu mundo continuava sendo seu quarto e, depois da morte de seus pais, assassinados por um robô que tivera seus direitos trabalhistas usurpado, exemplarmente condenado ao desmanche, ele assumiu a companhia e a comandava a distância, tendo diversos robôs à sua disposição para as ordens imediatas aos seus subordinados.
Raríssimas vezes ia à companhia.
Quando o fazia, o alvoroço era total. Os empregados entravam em pânico por vê-lo fora de seu habitat e por sentirem de perto o seu mau humor e a sua tirania.
Seu trato era mil vezes pior que o tratamento que os robôs chefes dispensavam aos funcionários.
Vivia muito só, sempre conectado à Internet até altas horas da madrugada, dispensando enorme tempo de sua existência ao comanda de sua companhia e de suas máquinas.
Mas o ser humano necessita, sempre ou de vez em quando, de uns afagos, de uns carinhos, de uma companhia do sexo oposto para lhe dar atenção e prazer. Nessas horas, era só buscar um site de relacionamentos íntimos, escolher a mulher que mais lhe agradava, esperar a mensagem de que nenhum vírus (nem real nem virtual) fora detectado, pagar pelo programa e iniciar o download.
A mulher da tela do computador se personificava em seu quarto em questão de minutos para satisfazer-lhe os desejos carnais.
Saciada a libido, dava-se início ao upload e ela desaparecia de sua cama da mesma forma que surgira em seu quarto.
Trabalho, trabalho, trabalho...
Até que o corpo pediu mais prazer.
Todo o seu ser fervia de desejo.
Sua boca ansiava pelo toque.
Seu órgão parecia querer explodir.
Nova busca na internet. Achou a mulher dos seus sonhos, esperou com ansiedade a mensagem de que nenhum vírus fora detectado, efetuou o pagamento beirando o desespero, mas quando foi fazer o download, apertou a tecla errada e, antes que pudesse desfazer o erro, seu corpo começou a desaparecer começando pelos pés, subindo por suas pernas e tomando agora todo o seu tronco, mãos, braços e, por último, a cabeça.
O homem desapareceu.
Piscando na tela do computador somente a mensagem:
Upload realizado com sucesso!

terça-feira, 22 de junho de 2010

Brasil na Copa, ou melhor: a Copa no Brasil


Brasil na Copa, ou melhor: a Copa no Brasil 
Sidnei Alves da Rocha
Leio nos jornais que o Brasil é um forte candidato a sediar a Copa do Mundo de 2014. Apesar das dificuldades e dos investimentos que terão de fazer, 17 cidades elaboram projetos para a modernização dos seus estádios e seus arredores e se candidatam a uma das 12 sedes que receberão várias seleções e incontáveis torcedores dos cinco continentes do mundo.
Elaboram projetos grandiosos que são apresentados com a utilização de mídias e tecnologia de última geração, com imagens de terceira dimensão e tudo o mais, coisas jamais vistas em terras tupiniquins e apresentam para os velhinhos da FIFA, que se deleitam com tanto verde (apesar dos desmatamentos constantes na Floresta Amazônica, na Mata Atlântica, etc.). O mundo fica boquiaberto com esta esplendorosa capacidade de criação, numa clara demonstração de que o país se tornou primeiro mundo, pelo menos no futebol.
Tempos depois chega o grande dia. A escolha está prestes a acontecer. É grande a expectativa. Bolinhas giram no globo e... Deu Brasil!
O orgulho de ser brasileiro vai surgindo em meu rosto. Nossa, para um povo que adora futebol, isso é fantástico. O tempo para a Copa é bastante grande. Até imagino pais de famílias deixando seus filhos passarem necessidades (ora, só faltam cinco anos) para a compra de ingressos e das passagens para verem, ao vivo, as belas jogadas de craques do mundo todo. Isso vale a doença que podem adquirir sem uma alimentação balanceada. Ah, vá lá, serei direto: sem alimentação ou alimentação com quantidade e qualidade extremamente reduzida.
Comemore, povo brasileiro! Como diriam alguns: “é nóis!”
Após este primeiro momento de euforia, chega, enfim, o segundo grande dia no qual são escolhidas as doze cidades sede. Sem nenhuma referência bíblica, a ordem foi dada: “Ide e sereis pescadores de homens!” O sucesso da Copa está justamente nisso: “pescar’ pessoas para comporem as grandes fileiras (também conhecidas por arquibancadas) e ter gente à vontade para gastar nos arredores dos estádios.
O Brasil é mesmo incrível. Tenho até medo de escrever aqui os zilhões de dólares que serão gastos (é melhor falar em dólares que sempre parecem menores os custos). Casas e imóveis terão de ser desapropriados nas redondezas dos estádios a fim de se aumentar a área de estacionamento e aumentar também o próprio estádio, melhorando a infraestrutura com restaurantes, lanchonetes e bares para a FIFA poder aumentar o seu lucro já grandioso.
Tudo isso demonstra o poder do meu país. Somos um povo rico. A maior parte destes gastos sairá do nosso suor, do nosso bolso, dos impostos que pagamos e isso me deixa mais radiante ainda.
Mas, apesar do orgulho, estou numa confusão mental. Cenas passam pela minha mente. Frases perpassam meu subconsciente. Trechos de reportagens e manchetes de jornais passam pelos meus olhos. Não! Isso não deve ser aqui...
“Seu parlapatão!”
Vejo homens de terno e gravata... Parecem marajás... Eles discutem como membros da política bolivariana...
“As suas palavras, eu quero que o senhor as engula...”
Estas imagens e estas frases me deixam tonto.
Que pessoas teriam coragem de dizer isso em frente às câmeras? Com o uso de microfones? Tendo como ouvintes senhores, senhoras, jovens, idosos e crianças?
Parecem políticos que...
“...e as digira da maneira que quiser!”
São políticos.
Mas, de que país distante seriam?
Do meu Brasil, não!
Nós vamos sediar a copa. Somos primeiro mundo. Nossos políticos são civilizados. Nós temos democracia...
“Não aponte este dedo sujo para cima de mim...”
“Seu cangaceiro de quinta categoria...”
Meu Deus! Que confusão mental é essa?
Quero ficar só com o meu orgulho, minha...
“Eu não renuncio...”
Vejo favelas... Crianças reviram o lixo... Famílias passam fome, pedem esmolas no sinal, dormem embaixo de viaduto. Quem sabe estas sejam cenas da copa de 2010. Talvez sejam cenas de algum país africano, paupérrimo, sem infraestrutura e sem democracia.
Chacoalho minha cabeça. Espanto estes maus pensamentos.
Vou retomando meu orgulho aos poucos. Uhu! A copa do mundo é nossa!